domingo, 11 de janeiro de 2015


Cegueira colorida

Trazendo consigo uma cegueira quase uterina, transforma a sombra na pessoa e confirma com a voz a sua intuição. A incapacidade de ver tolda os pensamentos mais livres da simples contemplação de uma paisagem. 

O mar assusta no seu rugido, e a noção da sua frescura é nula. A natureza negou a ela quase tudo. Negou-lhe a leitura prematura: “A pua é do papá…” - "O menino leva o popó…”. Insignificante, descabido e desnecessário.

Aprendeu a ler decorando a sequência de letras que saltavam e baloiçavam como se de um comboio a descarrilar se trata-se. Ela pensava que ver era assim. Ver fosco e tremido.

Era pequenina, morena de óculos fundos e cheia de sonhos com névoa.

A infância tem uma delicadeza de colo seguro e de abraço eterno. O cheiro que fica de uma criança perdura infinitamente, deixando impregnada a nossa memória. 

A vida insiste-se e com ela arrasta a sina de cada um. Crescer e amadurecer na contínua cegueira de que aquilo que se vê é apenas e unicamente aquilo que há para ver. Pouco…muito pouco . 

A liberdade segura-se nos passos que embora a medo nos levam a algum lado…a um lado que pode existir, mas não se vê.

11.1.15
av
Pienso que todos estamos ciegos.
Somos ciegos que pueden ver,  pero que no miran.

José Saramago