quinta-feira, 24 de maio de 2012

Muros de pedra preta

 
Agora percebo…porque se sentava ele debaixo da figueira de pernas semi abertas, com o olhar parado, naquele marasmo de calor, soprando o fumo para frente e olhando o nada. Às vezes é difícil olhar o nada do instante e ficar-se no tempo aproveitando cada segundo como se a vida fosse acabar em breve. Sinto-me nessa sintonia, embora mais breve no meu olhar, mas sempre vendo o que mais ninguém quer ver comigo. Tenho saudades do chinelar das suas “slipas” velhas, eram amarelas desbotadas, já lhe faltavam bocados do uso, mas de lugar cativo naquela casa. É talvez das únicas casas sem foto de família, mas o ranger do sobrado conta os passos de várias gerações. Tempos de saltitar, de sal no corpo, de um pedaço de bolo com queijo e de peixe salgado em cima dos muros. O armário verde alface pintado com restos de tinta, entreaberto… espreitando! É a saudade que me fala assim, deste modo simples e tão presente, de aromas, cheiros e descidas cautelosas em escadas de pedra desnivelada. O quintal de rocha lávica, emoldurado de amoras negras, de faia preta, decorado com carcaças de caranguejos laranja, onde eu num só salto temia o aviso da minha mãe de que o quintal de tão perigoso, não era para mim. Na passagem sem portão, esmigalho a folha da árvore de limas, puxo o ar e fecho os olhos…cheiro verde de sumo com aroma purificante e renovador… adoro! Sempre o cheirei desde que me lembro! Este ano não fui capaz…sabia que o ia encontrar no mesmo sitio, sentado… tudo me ia fazer lembrar, as suas gargalhadas duradouras, persistentes ecoam no ar e o passado ainda está demasiado presente…
26.12.11
av

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