quarta-feira, 12 de agosto de 2015





Não lhe dei tudo

Não lhe dei tudo o que me pediu, porque achei que seria demais. Dei-lhe o espaço que precisava para caminhar seguro e de encontro ao que era seu por direito. Deixei-o caminhar à chuva de botas de borracha, chapinhou e fez respingar a água das poças em todas as direcções. Andou de bicicleta de capa de chuva, completava com o balde de praia na cabeça e na mão direita o guarda-chuva que lhe assegurava o equilíbrio perfeito. As pestanas seguravam os pingos da água persistente e pestaneava para limpar a visão. Disse-lhe que não ao muro alto, mas deixei-o ver o que estava depois dele… o mar! Senti-o livre em cada passo escorregadio que dava para apanhar a alga no vai e vem da maré. As pedras que apanhou e o alcance que conseguiu ao atira-las tinham uma força desmedida. Pensei que toda a sua vida estaria nessa distância. E está. Hoje, grande na sua visão, calado na sua opinião, enfrenta um mundo diferente do alcance do mar que sempre viu, mete-se nele e sente toda a sua profundidade. Sinto-lhe na distância o pensamento perdido, o esforço por se equilibrar, o passo certinho que lhe é exigido, sem dó nem hesitação. É assim que tem de ser. Os dias passaram rápido e no meu pensamento contínua a delicadeza daquela mão pequenina, a presença de tudo o que é genuíno e intacto… o sorriso limpo, o abraço apertado. Tenho de o deixar ir… vai!
av
12.08.15


domingo, 2 de agosto de 2015


HUMILDADE

Os meus olhos arregalaram quando me perguntou o significado da palavra humildade.
E na volta que o pensamento deu ao peneirar a palavra e tendo em conta a sua própria simplicidade… não consegui fazê-lo sem que esta não se colasse à palavra pobre. E ser-se humilde não é forçosamente ser-se pobre, antes pelo contrário. O meu espanto foi saber que se estuda tanto, e na pauta vem em tom de sentença: “O aluno atingiu os objectivos propostos”. Que objectivos? Que objectivos propostos foram estes que deixaram a palavra humilde de fora? Muito mau! Mas a mais brilhante das constatações é a facilidade com que os miúdos de 2 anos pegam num tablet e deslizam o dedo rápido com a certeza de tudo e seguros no olhar babado dos pais. Temos crianças que não gostam de ler, falam-se por mensagens e estão cada vez mais inseguras. Com tanta evolução informática e acesso a ela, as famílias continuam caladas ao jantar, e já nem é preciso beijar nem abraçar, porque está tudo dito. O futuro é o que interessa, e há que conseguir, para poder ser! Um engano. A evolução do ser humano faz-se a cada dia que passa e a seu tempo. Valores simples e o desenvolvimento do pensamento são urgentes, a alma precisa muito mais de alimento, do que o próprio corpo. Existe um vazio inato na sociedade, onde deveria ser congénito o afecto. Começando pela atenção que todos merecemos uns dos outros, à simplicidade de se ouvir quem quer falar, do acenar com a cabeça em solidariedade…da mão que posa no ombro…sem mais nada. Ninguém tem tempo para isto… é demasiado simples e requer grande cedência e humildade. Afinal relevo o puto não saber o significado da palavra, é vergonhosamente aceitável… pior são os que a conhecem e fogem dela.

 25.07.15
av