O aventureiro
E eu nem sabia que a
palavra “aventureiro” abarcava, milhas náuticas, vagas, mar alteroso, nascer do
sol, por do sol, chuva, vento, sal, azul, mar, mar e mar…
Via-se ao longe um
mastro e um casco branco que baloiçava ficando um dos lados submerso na água. A
ajuda no cais era pronta, os miúdos esperavam o atirar do cabo e os adultos
também. Depois…era o primeiro salto a terra, o primeiro contato e ouvia-se:
- Bonjour, ça va bien? E ficávamos
estarrecidos, sem resposta:
Pensávamos, são
“aventureiros”!. Diziam alguns entre dentes, mas sempre sorrindo. Apertos de
mão, fotos em grupo e a primeira bandeira oferecida para a coleção do viajante.
Estes “aventureiros” como lhes chamavam, vinham de todas as partes do mundo,
dai o seu nome. Embora a língua fosse diferente, isso não fazia com que a sra.
Rosa não trouxesse na sua ida ao pão um dúzia de ovos para lhe oferecer. Sempre
ia a acima do cais e via se eram muito diferentes dos outros que tinham lá estado
na ilha na semana anterior.
Eram parecidos. Cabelo
aloirado, seco, com salitro, pele queimada pelo sol. A roupa presa com molas
coloridas num dos cabos do veleiro, espantavam-se ao vento. Havia vida naquele
veleiro, cheirava a comida acabada de cozinhar, o cão ladra e o menino de olhos
azuis andava na borda do veleiro. Sempre me intrigou este viver em cima do
mundo, sendo o mar o chão e o percurso a seguinte uma nova vida. Fascinante!
Seriam estas pessoas como nós? Açorianos? Talvez sim…nós também vivemos em cima
de “veleiros fixos” no meio do oceano, baloiçamos com as nossas angústias, com
as nossas perdas e as nossas dúvidas. Esperamos ansiosamente aquele dia de sol,
em que o corpo reage, molda-se, agita-se e os olhos ajustam o dia. Lembro-me de
ser pequena e ver entrar o meu pai pela porta dentro à gargalhada, trazendo com
ele “gente estranha”. Convidava iatistas (“aventureiros” ancorados na baia),
para almoçarem na nossa casa, eu reparava que embora o meu pai não falasse o
francês, eles entendiam-se muito bem e riam-se sempre ao mesmo tempo depois de
alguma piada! Era giro vê-los rirem-se das mesmas coisas. Eramos uma mesa com
convidados exóticos, que gostavam de tudo o que lhe dávamos a provar. Ficávamos
como indígenas a ver as reações deles a cada prova, a simplicidade imperava e
em breve aqueles “aventureiros” nos pediriam a morada para nos enviarem um
postal de França. Ficava na porta a dizer adeus a pessoas que sei que nunca
mais veria. Era sempre assim! Esta infância que me acompanha, tudo o que me
lembro tem um misto de inesperado, irreverência, simplicidade e cómico. É um
legado muito forte que me aperta o coração e me dá uma saudade enorme.
30.05.14
a.v.
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