sábado, 8 de novembro de 2014


Mestre Feijó

Viver num bairro, não é o mesmo que viver lado a lado e dar um “bom dia” esporadicamente. Num bairro as pessoas são uma família em ponto grande e como tal sabem umas das outras, sem rodeios e sem peneiras. Todos se conhecem por alcunhas… ali mora a “Luisa tá nem nem” (estava sempre grávida), a seguir o “Jaime da Alda”, e no nº 45 o “António da Jangaia”.  Brilhante!!!

De manhã as janelas abrem-se e o gato sai. O pão cheira dentro da saca e os filhos são muitos. O sol nasce e a montanha eleva-se do mar como um foguetão. Bem cedo mestre Feijó apresenta-se junto da sua lancha pronto a mais um dia de balanço.

“Espalamaca” foi a lancha que durante anos fez a travessia entre o Faial e  Pico e mestre Feijó fazia parte da tripulação. Chegávamos à lancha de manhã cedo, o frio ainda era medonho e no mar o gasóleo desenhava cavalos marinhos com nuances arroxeadas, desmaiando num azul magnifico com fios de prata... o meu olhar perdia-se!

Mestre Feijó com um pé na borda da lancha e outro em cima do cais, dava a mão às crianças e senhoras, porque os homens não precisavam. Depois de confiar a minha mão na mão deste amigo, aguardava a subida da vaga para que a borda da lancha se nivelasse com o cais, a fim do meu “salto” ser perfeito… E era! Eu achava aquela entrada em “salto” digna de uma artista de circo!

Minha mãe ao dar a mão a mestre Feijó perguntava:
- Como está o mar? (eu ficava a pensar que era giro cumprimentar o mar!?). 
Mestre Feijó dizia envolto num disfarce e um sorriso trocista de quem se preparava para mentir:
 - Vai dentro rapariga! O mar está bom, o mar está bom!!!”

Não acreditávamos nele!

Instantes depois deixava-me absorver pelo cheiro estonteante das ameixas que de tão maduras, embriagavam qualquer um.
E lá íamos nós, numa viagem que para mim encantava mais pela sua chegada e no pé firme em terra.

Para trás ficava o mestre Feijó e a verdade de que existem viagens que duram o tempo que nós durarmos…

av

08.11.14

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